*A Nau dos Desmiolados*
A nau Héstia navegava há meses por mares tão traiçoeiros que até os tubarões usavam coletes salva-vidas. A comida sumira, o rum evaporara misteriosamente (culpa do Capitão Barba Roxa, que jurava que era “para fins medicinais”), e a tripulação estava mais faminta que papagaio em dieta.
Diante da escassez, os jovens piratas — liderados por Grumete Gervásio, que mal sabia distinguir uma bússola de um biscoito — decidiram que os *velhos marujos eram “peso morto”*. Num motim digno de novela das seis, jogaram os idosos ao mar, alegando que *“quem vive de passado atrapalha o futuro”*.
Mas o futuro veio com gosto de castigo. Tempestades, escorbuto, e uma infestação de gaivotas cleptomaníacas atormentaram os jovens. Sem os velhos para ensinar como se faz um belo nó de marinheiro, como se lê com clareza as estrelas ou como se espanta uma gaivota com dignidade, a nau virou um caos flutuante.
No auge do desespero, os jovens decidiram repetir a genial ideia: jogaram os doentes ao mar, incluindo Gervásio, que tossia mais que motor de barco velho. *A nau ficou quase vazia e seguia silenciosa... e à deriva*.
*A Odisseia dos Velhos Marinheiros nas Barricas de Conhaque*
Jogados ao mar em uma tempestade impiedosa, os velhos marinheiros não se renderam ao destino. Entre as ondas revoltas e o céu sem promessas, encontraram nas barricas vazias de conhaque sua salvação. Flutuando como frágeis embarcações improvisadas, essas barricas tornaram-se botes de resistência, esperança e engenhosidade.
*Barricas como Barcos*
Cada velho marinheiro se agarrou a uma barrica, esvaziada de seu conteúdo alcoólico, mas cheia de possibilidades. A madeira robusta das barricas, já calejada pelo tempo e pelo mar, resistia bravamente às correntes.
*Comunicação Cifrada*
Separados pelas ondas, mas unidos pela memória dos velhos códigos, eles criaram uma rede de apoio sonora. Batidas cifradas nas barricas — uma, duas, três pancadas — transmitiam mensagens simples: “Estou vivo”, “Tempestade à vista”, "Cardume!", “Sigam-me”. Era uma linguagem ancestral, nascida dos porões dos navios e das noites sem lua, agora resgatada como elo vital entre os sobreviventes.
*Navegação pelas Estrelas*
Sem bússolas, confiaram no céu. O velho marinheiro, com olhos treinados por décadas de travessias, lia as constelações como quem lê cartas de amor. A Estrela Polar guiava os do norte, enquanto o Cruzeiro do Sul indicava o rumo aos que derivavam abaixo do equador. Cada estrela era um farol silencioso, uma lembrança de que o mundo ainda tinha direção.
*Água da Chuva e Remédios do Mar*
Quando o céu chorava, os velhos marinheiros celebravam. Estendiam panos sobre as barricas, recolhendo a água da chuva em conchas e até nas próprias mãos. Era pura, fresca, e mais valiosa que ouro. Já os restos de conhaque, impregnados nas paredes das barricas, eram usados com sabedoria: para limpar feridas, aquecer o corpo nas noites frias e até aliviar dores internas. Sabiam que o álcool, em pequenas doses, podia ser mais remédio que veneno.
*O velho marinheiro e os segredos das algas do Pacífico*
Diziam que o velho marinheiro conhecia o mar como poucos. Não apenas pelas correntes e tempestades, mas pelos sabores escondidos sob as ondas. Em suas longas jornadas pelo Pacífico, especialmente nas águas profundas que banham o arquipélago japonês, ele aprendeu a reconhecer as algas comestíveis que brotam como joias verdes e marrons entre as rochas submersas.
O velho marinheiro não via as algas apenas como alimento. Para ele, eram presentes do oceano, carregadas de história, nutrição e respeito. E quem o ouvia, aprendia que o mar não oferece apenas peixe — oferece também folhas que dançam com as marés e alimentam com sabedoria.
*Sobrevivência com Alma*
O velho marinheiro sobreviveu não apenas pela técnica, mas pela alma. Pela memória dos cantos de mar, pela solidariedade dos companheiros, pela fé nas estrelas e pela coragem de transformar o ordinário em extraordinário. Cada barrica era mais que madeira — era um testemunho de que, mesmo diante do naufrágio, o espírito humano pode flutuar.
A volta dos velhos marinheiros
Foi então que, num milagre digno de folhetim, os velhos marujos reapareceram — remando em barris, guiados por Vovô Barrica, que usava sua bengala como leme e sua experiência como GPS emocional. Eles resgataram os poucos sobreviventes e, com sabedoria e um caldo de peixe improvisado, restauraram a ordem na nau Héstia.
A lição ficou gravada no convés em uma placa de madeira: *“Quem despreza o passado, naufraga no presente.”* Desde então, a Héstia virou exemplo de convivência intergeracional. Os jovens aprendiam com os velhos, os velhos aprendiam com os jovens; e os velhos ganhavam respeito, rum e espaço para contar suas histórias que serviam de parábolas para ensinamentos importantes.
E assim, entre gargalhadas, tempestades e receitas de mingau de alga, a nau seguiu navegando — agora com todos a bordo, inclusive o papagaio, que finalmente saiu da dieta.
Carlos Santarem
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